sábado, 3 de maio de 2014
Bom, era aquilo. Até então eu tinha dores, dúvidas e incertezas, e depois de ler 3 palavras eu tinha câncer.
Como 3 pequenas palavras podem mudar uma situação? Dormi sem câncer e acordei com ele. Silencioso e sorrateiro, chegou sem que eu percebesse e fez festa em mim... e agora nós tínhamos que acertar as contas.

Eu fiquei em choque. "E agora? O que eu faço?"  E então eu chorei, chorei e solucei abraçada com Yuri dentro do carro e ele não me mandou parar. Ele só ficou quietinho e fez eu me sentir protegida... Ele não disse nada, mas me fez entender que estaria por perto e que eu não ficaria sozinha.
Ficamos um tempo parados na frente do laboratório e eu não sabia bem porque eu estava chorando. Mas não é isso que as pessoas que estão com câncer fazem? Elas choram... certo? Errado! E então eu parei de chorar. Eu não tinha motivo pra aquilo. Eu não estava morrendo e nem estava com medo de morrer, minhas dores não pioraram porque eu li aquele papel e afinal de contas, eu nem sabia o que eu tinha de verdade, ninguém me ensinou a ter câncer, eu que teria que decidir como seria.
Eu tinha dois caminhos: ter pena de mim ou ser uma super batalhadora e lutar bravamente contra o câncer... Não escolhi nenhum dos dois...eu escolhi continuar vivendo... um dia de cada vez. Escolhi continuar fazendo planos, continuar falando besteira, continuar dando risada, continuar vendo meus amigos, continuar comendo o que eu gosto, apenas continuar... assim com reticências, sem pontos e nem vírgulas. Eu dei um ponto em outras coisas, como minha faculdade de Fisioterapia, mas não na minha vida.

Até então eu nunca tinha tido contato com o câncer de perto. Apenas um caso na família, da minha tia Eliana, mas ela não chegou nem a perder os cabelos e ela sempre foi tão alto astral, que pra mim nunca esteve doente. Câncer era aquela doença dos Carecas. E esses Carecas faziam quimioterapia. Era tudo o que eu sabia. Era uma realidade muito distante de mim, eu imagino que seja como morar fora de casa ou ser mãe pela primeira vez, você sabe que vai ser difícil, mas não tem como mensurar por tudo que você vai passar até que seja você o personagem principal. A única e grande diferença é que ninguém acha que vai morrer porque vai morar longe ou por ter filhos.

Eu costumo dizer que uma das piores partes de todo o processo do câncer, é o início. Você não sabe como lidar e no meu caso, a demora no diagnóstico potencializou todo tipo de aflição que poderíamos ter. Na verdade, a aflição era só por parte dos meus pais e de Yuri, mas eles disfarçavam muito bem. Eu não estava importando muito, só queria me livrar daquela dor e saber o que estava rolando dentro das minhas Células Egocêntricas.

O "estar com câncer" é uma ocasião, digamos, peculiar. Eu li aquelas palavras, mas eu ainda era a mesma Rebecca. Meus cabelos não caíram imediatamente, eu não vomitava pelos cantos e eu ainda me sentia "muito bem". É claro que esses efeitos eram consequência do tratamento que eu ainda não havia começado, mas essa era mais uma das minhas novas dúvidas: "Quando eu vou me tornar uma Careca?" 
Nesse momento eu me senti tão serena, que eu descobri que não tinha medo de perder os cabelos.

Depois de ler o resultado eu e Yuri fomos até a loja dos meus pais, pra que a gente pudesse compartilhar da notícia, agora que a principal interessada também já sabia. Nós paramos na esquina movimentada da Coronel Gugé e Yuri buzinou pra que eles viessem até o carro. Minha mãe veio até o carro aflita, imagino que ela não sabia qual tipo de reação eu teria, se ela encontraria uma Rebecca desesperada ou não. Ela encontrou uma Rebecca calma, plena, como se nada estivesse acontecido. Eu no lugar dela teria ficado mais aflita ainda "Essa menina deve ta doida, ou a ficha não caiu."

"- Mãe, eu vou ficar careeeca!"
A gente riu, e eu tinha certeza que íamos passar por isso juntos.




Beijos, Rebecca.

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